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quinta-feira, 14 de junho de 2012

São Paulo, a cidade dos sonhos.



São Paulo é fruto dos sonhos. Para cá vieram muitos em busca de uma vida melhor. Há mais de um século, ferrovias ligaram o interior à capital, para o trem seguir até o porto de Santos, exportando café e trazendo a riqueza de alguns barões da cidade. São Paulo crescia. Décadas mais tarde, sonharam alguns com uma cidade maior, mais moderna, mais rica. Rios foram retificados, canalizados, escondidos. Córregos sumiram pra debaixo das ruas e foram esquecidos. Lembrados apenas durante as enchentes, no movimento natural de suas águas. Mas em horas como essas, poucos sem lembram disso.

E o sonho da cidade maior tomou os espaços. As ruas cortavam as chácaras, as obras tomavam as ruas, projetos foram implantados e a cidade mudou. Na luta pela terra urbana, as ruas foram invadidas pelos carros, símbolo de poder e de status. O modelo importado do sonho americano tornou-se o pesadelo dos bondes e o coletivo foi perdendo lugar para o transporte individual. Elétrico, não poluente, o bonde deu lugar ao automóvel poluidor. Mas num tempo em que fazer fumaça com cigarro era atraente e glamoroso como no cinema holiudiano, os carros e seus escapamentos não eram vistos como vilões. Pelos cinemas de rua, que existiam em muitos bairros, chegavam vilões e mocinhos com novidades da moda, da cultura, do mundo. Sonhavam as mulheres com seus galãs preferidos, joias, penteados, vestidos. Sonhavam os homens com suas musas provocantes.

Para o sonho ficar ainda melhor, JK decidiu que a indústria do automóvel deveria vir aqui para ficar. E ela veio. E ficou. Trouxe com ela o tal progresso, o emprego, o crescimento econômico. Mas como sonhos não são necessariamente planejamentos minuciosos, para muitos se tornou pesadelo. O operário produzia carros, mas não tinha onde morar. Acordando cedo, sem sonho, trabalhadores construíam pontes, viadutos, túneis e rodovias. 
E por falta de tempo pra sonhar, foram morar nas favelas que cresciam dentro, ou junto da cidade. O motorista sonhava com largas avenidas para trafegar. E ruas foram alargadas, asfaltadas, impermeabilizando a cidade, sobrecarregando os poucos rios cujos leitos restaram de papo pro ar.  Espaços verdes sumiam em nome do progresso viário. Aquelas linhas de bonde ficaram definitivamente pra trás. Fáceis de serem implantadas, fáceis de serem desativadas.

Tempos depois a população precisava chegar em casa mais rápido, pois foi morando cada vez mais longe do centro. Por crescer sempre e sempre desordenadamente, São Paulo sonhou com um trem subterrâneo. E o sonho tornou-se real, lentamente. Tão lento quanto a incompetência de vários governos que ainda correm atrás, ou fingem que correm, da tão sonhada mobilidade urbana. E o bonde, tão mais barato de se fazer e operar nem sonha voltar pra cidade...

A cidade de hoje ainda sonha, e muito. Mas quem vive de sonho não enche a barriga. E entre a fantasia e a realidade, homens de negócios preferem a segunda opção. Construtores, incorporadores, engenheiros, arquitetos, demolidores não precisam mais sonhar. Acharam o homem de seus sonhos, e fizeram-no prefeito. Perfeito, bem fuleiro, conivente, ladino, irresponsável, na medida certa de seus devaneios. E bem acordados, constroem a cidade que sonharam. Uma cidade toda deles. Enriquecem assim, às custas da gente. Pagamos cada centavo desse pesadelo que se tornou a cidade. Pagamos no trânsito parado, ou violento. Pagamos morrendo na poluição, na falta de verde. Na falta recorrente de segurança, debaixo da sombra do prédio irregular que a corrupção permitiu subir sobre nossas cabeças. Pagamos pela falta de educação, democracia, cidadania, inteligência. E o sonho da casa própria, mola propulsora de muita insanidade econômica, alimenta a máquina da perversidade urbana. Favelas não se urbanizam mais, se incendeiam. Jornais, lacaios da propaganda imobiliária, se calam. E lucram também. Os bairros centrais, saturados, não suportam mais prédios, porém mais prédios são construídos. Um novo edifício que sobe ao lado de sua casa, acaba com seu sono, com seu bairro, com sua história. Se trocassem parte desses sonhos egoístas por planejamento de verdade para todos, a cidade teria uma realidade bem diferente. Está mais do que na hora de realizarmos a cidade que sonhamos. Humana, saudável, democrática, bonita, segura. Sem a selvageria do mercado imobiliário, dessa fúria predatória que esta arrasando uma enorme cidade.

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