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segunda-feira, 20 de maio de 2013

Especulação imobiliária vira novela


JOÃO FERNANDO / RIO - O Estado de S.Paulo
Escrita nos anos 1950, quando os espigões neoclássicos ainda não faziam parte da paisagem paulistana, a peça Dona Xepa, que ganha nova versão em novela a partir de terça, às 22h15, na Record, foi adaptada para os dias de hoje e vai tratar da especulação imobiliária e as obras da cidade, questões em alta no momento atual.
"Novela tem de emocionar, mas, se puder levantar discussões, é válido", avalia Gustavo Reiz, responsável pela adaptação do texto do dramaturgo Pedro Bloch para a TV. Na trama, o fictício bairro da Vila do Antigo Bonde, onde a protagonista, a feirante Xepa (Ângela Leal), mora e trabalha, é menina dos olhos das construtoras que querem derrubar as casas da região.
Além da pressão das empresas, haverá a mão do deputado Feliciano (Giuseppe Oristânio), que, subornado pelas empreiteiras, mandará falsos fiscais para apavorar os moradores. "Ele tenta usar o poder que o cargo de deputado tem, as influências, as leis, para tentar implantar as mudanças nesse bairro com tradição e relíquias culturais da cidade. É para um empreendimento que ele nem sabe o que vai ser", adianta o ator.
Paulistano radicado no Rio há mais de duas décadas, Oristânio sentiu de perto as consequências da modernização da cidade quando, nos anos 1990, a Prefeitura de São Paulo construiu complexo viário Maria Maluf, na zona sul. Por causa da obra, parte do terreno da casa do pai dele foi desapropriada. "Na primeira chuva depois da inauguração, a água se acumulou nos muros das casas, derrubou a casa da minha vizinha e entulhos entraram pela casa da minha mãe. Ela teve um ataque cardíaco e caiu no chão morta na hora. Quase perdi a família inteira por causa de uma obra mal planejada", contou ao Estado.
O ator afirma que o nome do personagem, o mesmo do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), foi escolhido antes de o parlamentar ficar conhecido por suas declarações tidas como preconceituosas. "Discutimos durante um tempo a necessidade de trocar o nome. Mas, como a coincidência é tão absurda, deixamos assim", afirma. O artista acredita que também fará um recorte de outros assuntos, como a cena política. "A gente começa a perceber uma certa indignação da população quanto a determinados direitos e hábitos da classe política brasileira."
A especulação imobiliária terá diferentes abordagens na trama. Enquanto Xepa e os feirantes do bairro tentam driblar os golpes das construtoras, seu filho, Édison (Arthur Aguiar), vai elaborar na faculdade de arquitetura um dos projetos que transformarão a Vila do Antigo Bonde. "Quando ele cria o projeto, não sabe que será em cima da feira", conta Aguiar. A universidade da novela também será um dos núcleos em que o assunto será posto em xeque.
"Haverá uma briga entre os alunos de história, que defendem o patrimônio, e os de arquitetura, que querem fazer os projetos", explica Gustavo Reiz. Édison se sentirá pressionado para lutar por sua criação, que prejudicará a sua própria vida. "Na faculdade, ele faz um workshop sobre modernidade e preservação. Mas ele não tem dinheiro para pagar e vai se submeter a algumas situações para isso", revela Arthur Aguiar.
Segundo o autor da adaptação, o foco na história do bairro fictício foi uma solução para marcar o comportamento dos personagens do núcleo. "A gente vai falar da batalha do trabalhador e da ascensão da classe C." Para ele, a Vila do Antigo Bonde resgata valores típicos de cidades do interior. "A vila fala das relações dos vizinhos. Lá, há uma identidade deles, uma celebração das amizades, um lugar em que todo mundo sabe o que está acontecendo com o outro."
Os moradores, entretanto, não assistirão aos acontecimentos do bairro sem fazer nada. "Em meio às ameaças de destruição e as notícias de jornal, eles começam a se mobilizar. Eles criam um associação de moradores, fazem campanhas (de preservação do patrimônio histórico) e promovem debates", entrega Reiz. Na primeira semana, Xepa arranjará confusão com um suposto fiscal que tentará tirá-la da feira no bairro.

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